Dermatologista argentino afirma que só o uso do protetor solar não protege contra o câncer de pele e defende uma maior educação sobre os perigos do sol
O médico argentino Fernando Stengel não acredita em bronzeamento saudável. De pele clara, não usa protetor solar com fator menor que 50 quando está no Brasil. Na maior parte das vezes, nem usa protetor — prefere se esconder do sol com casacos e chapéus. Chefe do setor de dermatologia do Centro de Educação Médica e Investigação Clinica (CEMIC) da Argentina, além de presidente da Fundação Argentina de Câncer de Pele, ele diz que a população em geral não sabe como se proteger do sol, o que tem contribuído para o número cada vez maior de diagnósticos de melanoma, o tipo mais agressivo de câncer de pele.
Stengel esteve em São Paulo participando do XIV Congresso Mundial de
Cânceres de Pele, que ocorre entre os dias 1 e 4 de agosto, onde falou
sobre a eficácia da fotoproteção feita hoje na prevenção do câncer de
pele. Em entrevista ao site de Veja, o médico diz que existe muita
ignorância quanto aos efeitos do Sol — inclusive entre os médicos — e
explicou que só existe um modo de diminuir os números do câncer de pele
no futuro: a fotoeducação.
Onde estamos errando na proteção contra o Sol? As
companhias farmacêuticas falam em bronzeamento seguro, o que não é
verdade. Não existe bronzeado saudável. Existe muita gente que, desde
jovem, se expõem ao Sol sem preocupação. No entanto, quando conversamos
com pessoas de meia idade que têm melanoma, a maior parte delas relata
que teve muitas queimaduras de Sol durante a vida — o que é um grande
incentivador do câncer. Mas ninguém quer escutar esse alerta. A cultura
do bronzeamento está em todo lugar. Existe uma glorificação em torno
disso. Na Argentina, nós temos uma campanha em que mostramos a foto de
uma mulher em trajes de banho. Um homem comenta: “Você tem um bronzeado
que mata.” Literalmente. Ela está matando a si mesma.
Então o senhor está dizendo que tomar banho de Sol é perigoso? Sim,
definitivamente. Mais que isso, a cultura do banho de Sol é estúpida.
As pessoas estão buscando algo que não é saudável. É como incentivar o
uso de cigarros.
Como mudar essa cultura? Eu defendo a fotoeducação,
ensinar a sociedade a se defender dos efeitos do Sol. Devemos fazer
campanhas de educação na comunidade, na imprensa, no governo, na
indústria, entre os médicos. Por exemplo, temos que ensinar que a pessoa
deve se proteger dos efeitos do Sol não só no verão, mas muitos meses
antes. Em São Paulo, por exemplo, a proteção deve começar em setembro,
quando o Sol começa a ficar forte. O ápice é em dezembro, com o
solstício, e ele vai enfraquecendo até abril. Por que não ensinar isso
nas escolas, durante as aulas de geografia? O professor quando estiver
ensinando sobre o solstício, pode explicar para o aluno os efeitos que
isso pode ter sobre sua pele. Se o professor perder um minuto nisso, o
aluno pode se proteger corretamente por toda a vida.
Qual a melhor maneira de se proteger do Sol? É a mesma
lógica de proteção de quando você está dirigindo. Em primeiro lugar,
você deve respeitar as regras de trânsito, depois saber adaptar sua
maneira de dirigir às condições encontradas pelo caminho. Mesmo assim, é
sempre bom usar cinto de segurança. Para proteger a pele, você deve, em
primeiro lugar, respeitar os horários onde o Sol está mais forte. Olhe
para sua sombra. Quando ela estiver mais curta que sua estatura, isso
significa que o Sol está sobre a sua cabeça, muito forte. Respeite essa
hora. Em segundo lugar, se adapte às condições do Sol. Se ele estiver
muito forte cubra sua pele, proteja-se. Por último em prioridade está o
protetor solar, que tem sua importância.
Então, usar protetores solares não é o mais importante? A
questão é que você não precisa usar o protetor. A pessoa pode não
gostar dele, ele é grudento, brilhante e irrita os olhos. Eu
pessoalmente prefiro me vestir quando vou me expor ao Sol. Desde a
antiguidade, nos protegemos com roupas — pense nos beduínos, por
exemplo. Desse modo, sobrevivemos e chegamos até aqui como espécie. Só
passo protetor quando quero entrar na água. Os protetores são realmente
bons para evitar a radiação solar, mas a verdade é que não os usamos do
modo correto.
O que fazemos de errado? Não sabemos a quantidade
certa do produto que deve ser usada. Os testes que permitem às empresas
dizerem que um produto tem fator de proteção 30 ou 50 é feito com dois
miligramas do produto por cada centímetro quadrado de pele. Quem passa
essa quantidade de protetor solar? Eu prefiro usar protetores fortes,
sempre acima do fator 30. Não acredito em fatores de proteção mais
baixos. No Brasil, que tem Sol muito forte, uso 50, porque tenho pele
clara.
Nós sabemos onde passar o protetor? Existem partes da
pele que são cronicamente expostas ao Sol, como a face e o dorso das
mãos, onde costumamos dar mais atenção. Mas a pele é a mesma em todos os
lugares, com a mesma chance de desenvolver melanoma. Pesquisas mostram
que as mulheres usam 60% do protetor na face, porque não querem rugas.
Outros 40% vão na altura dos seios, para não deixar marcas. E só 2% nas
pernas, porque querem bronzear a região. E é justamente aí que está
aparecendo o maior número de melanomas em mulheres hoje em dia. Isso é
ridículo, um exemplo de como as campanhas de proteção solar de hoje em
dia não estão funcionando.
Os médicos não têm parte da culpa? Com certeza. Existe
um artigo da Sociedade Britânica de Cirurgia Plástica e Medicina
Estética que mostrou que metade dos médicos do país não sabe responder
perguntas sobre protetores solares. Na Argentina, cerca de 45% dos
médicos não sabe dizer o que é o fator de proteção do produto. E têm
dermatologistas entre eles, que não se importam com isso. Trabalhar com a
prevenção do câncer é muito difícil, não dá dinheiro. Quem faz escola
de medicina, faz com a intenção de curar o doente. Um cirurgião vê o
tumor, o corta fora e acabou. Na prevenção, você impede que o paciente
fique doente. Não é excitante, o resultado pode demorar décadas para
aparecer.
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