quinta-feira, 10 de março de 2011

Comer em paz ajuda a ver a vida com mais positivismo

Sorte de quem foi ensinado a adotar essas práticas, ou de quem vive em ambiente onde esses hábitos são cultivados. Mas há aqueles que são estressados, que comem em pé, que mesmo em família transformam as refeições em discussões. Ruim para eles, mas nem sempre culpa deles. Culpa é um sentimento que faz mal e não devemos incentivar nem atribuir a ninguém. O ideal é cuidarmos do nosso prazer e abrirmos nossos olhos e nossos corações para aqueles que não estão bem. Nesta vida, somos todos passageiros e parceiros. Quem está bem, tem mais chances de entender e aceitar aqueles que convivem com dificuldades. E a solidariedade e a amizade, farão bem para os dois.

Não importa se você vive em apartamento numa cidade grande, ou em casa em bairro tranquilo na capital ou interior. Para a maioria de nós, o lugar onde moramos é um casulo aconchegante, um espaço que nos protege quando trancamos a porta.

Podemos voltar à nossa intimidade, ligar a TV se quisermos ligar o som, se quisermos acender as bocas do fogão para uma comida simples ou um prato refinado. Você está de volta ao seu espaço, onde pode fazer mimos para o gato, se tiver, ou acariciar seu cão que salta ao te ver. Pode usar o telefone e ligar para quem quiser saber do filho que saiu com amigos, da mãe velhinha que carece de cuidados. Ou receber uma pizza ou um convidado, como desejar.
Milhões de pessoas nesse país não têm um espaço íntimo para se recolher, nem a possibilidade do acesso aos prazeres que a vida moderna oferece.
Poderíamos nos dedicar a essa cruel exclusão que oferece muito a uns poucos, e pouco ou quase nada à maioria.

Meu artigo, que também quer aproveitar para lembrar as desigualdades, está endereçado a todos nós. É apenas uma reflexão sobre os prazeres do cotidiano e como às vezes não prestamos atenção em pequenas coisas que poderiam nos deixar mais felizes.

Começo lembrando um amigo que descobriu um ninho de pintassilgo num arbusto do seu jardim e que por semanas cuidou para que nada perturbasse a mãe passarinha que chocou os ovos e cuidou dos filhotes até que voaram embora. Foi uma "gestação" e um voo para o mundo de poucas semanas, mas nunca mais ele viu as pessoas à sua volta da mesma forma. Especialmente as crianças.

É apenas um exemplo, pois minha intenção aqui é falar da nossa relação com a comida. Falar dos pequenos prazeres, cheiros e contatos que cultivamos ao longo de muitos anos, e que preenchem a nossa memória.

Já conversamos incontáveis vezes sobre os benefícios deste ou daquele alimento, dos alimentos funcionais, das suas contribuições para a nossa saúde e mesmo sua importância na cura de muitas doenças. Os princípios ativos de muitos alimentos podem agir, muitas vezes, com mais eficácia que os medicamentos de farmácia.

O que estamos falando hoje é da importância do prazer de comer. Não há pesquisas, nem há um “medidor” objetivo que possa dizer quanto um contato prazeroso com a comida pode interferir na nossa saúde. Mas é certo que interfere.

Poderia falar de experiências próprias, mas prefiro me valer de relatos que tenho recebido de leitores dos meus artigos e mesmo de alunos que acompanho nas suas teses na ESALQ-USP. Comer com prazer faz bem, é fundamental.

É provável que existam pesquisas mais consistentes, mas nossa experiência comprova exatamente isso. Já tivemos contato com um grupo de pessoas que comia apressada sentada em bancos junto ao balcão de qualquer lanchonete ou restaurante, ou que sempre discutiam em família na hora das refeições. Comparamos essas pessoas aleatoriamente com outras que dispunham de tempo para comer, seja em bares ou restaurantes, acomodados em mesas, ou faziam suas refeições em casa, sem discussões nem pressa. Não por acaso, esses mesmos personagens, quando comiam em casa, aproveitavam as refeições para a troca de notícias e sempre havia elogios para os pratos que estavam sendo servidos. Havia sempre alguém que se referia ao sabor do molho da salada ou ao tempero do prato principal.

Não é estranho que nessas famílias havia um revezamento entre homem e mulher na operação menos apreciada das refeições: lavar os pratos. Em algumas famílias, as próprias crianças ou filhos adolescentes participavam dessa operação.

Não tenho estudos científicos demonstrando que o primeiro grupo, estressado e que nenhuma atenção presta ao que está comendo, seja mais doente ou mais saudável que o outro. Mas estou certa que o segundo grupo, que cultiva uma relação de prazer com a comida, tem vida mais saudável e terá vida mais longa.
Assim é no trabalho, assim é nas relações, assim é no amor. Tudo o que se faz com mais dedicação e cuidado é mais prazeroso e traz mais benefícios à saúde.
Também é preciso considerar que não estou atribuindo culpa a ninguém. Sentir-se culpado é mais um fator que leva à infelicidade e à doença. Muitas pessoas não têm culpa de conduzirem suas vidas de maneira atropelada ou pouco saudável. Ou são submetidas a esse estresse por causa de suas situações financeiras, por conta do emprego que perdeu, ou se sente mais doente ou dependente em razão das histórias familiares que viveu ou de gens que herdaram de seus progenitores.

Uma pesquisa feita recentemente entre fumantes pelo Instituto do Coração de São Paulo e publicada na imprensa, mostrou que os mais pobres com acesso apenas ao serviço público de saúde, eram os que tinham mais dificuldades de deixar o cigarro. Enquanto os que tinham maior poder aquisitivo e tinham acesso a um plano de saúde, aderiam mais facilmente aos programas para deixar de fumar e deixavam o cigarro mais rapidamente e em maior porcentagem.

A explicação é uma só, apesar de trágica: os fumantes mais pobres só procuravam ajuda quando já tinham outras doenças associadas, hipertensão, diabetes, problemas do coração. Muitos já tinham sofrido um infarto do miocárdio. Eram os mais difíceis de aderirem a um tratamento para deixar de fumar. E a explicação é perfeitamente compreensível: doentes, eles eram cobrados pela família e pelos amigos para deixar o cigarro, como se isso fosse uma decisão fácil. Sozinhos, eles se perguntavam: por que vou deixar meu único prazer se vou morrer mesmo? E continuavam fumando até morrer.

O estudo vem apenas reforçar algumas das minhas teses: as pessoas precisam incentivar umas às outras e aprenderem que podem tirar prazer das pequenas coisas, que podem viver a seu modo sem se sentirem culpadas. Atribuir a alguém culpa por uma prática de vida não saudável - como fumar, beber ou comer demais - é empurrá-lo para um poço do qual não conseguirá sair. Se quisermos ajudar e sermos solidários, temos que estar a seu lado, tentando entender por que age assim e por que não consegue tomar outra atitude. Nesses momentos, a amizade vale mais que qualquer lição ou fórmula vendida nos manuais de autoajuda.

Não queria desviar tanto do meu tema, que é a alimentação saudável e o comer com prazer. O estômago é um termômetro das nossas relações com o mundo. Mas há outras referências para a nossa felicidade ou nossas tristezas. E elas podem ser vistas em todos os gestos e em todas as pessoas que passam ao nosso lado. É só relaxar os olhos e deixar que eles percebam o que está acontecendo à nossa volta.

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