O pesquisador de Harvard, Leonardo Maugeri, faz previsões audaciosas e contraria a teoria de que a era do combustível fóssil está próxima do fim
A nova era do petróleo: descobertas e avanços tecnológicos abrem espaço para expansão da oferta
Um estudo recém-publicado sobre o volume das reservas de petróleo – e as novas descobertas no mar, nas rochas e nas areias – está causando alvoroço no mundo acadêmico. Intitulada “Petróleo: A nova Revolução”, a pesquisa feita pelo pesquisador italiano Leonardo Maugeri afirma categoricamente que não só o fim da era do petróleo está longe, como o aumento da capacidade de produção alcançará quase 20% nos próximos oito anos – uma taxa de crescimento que não se vê desde a década de 1980. Isso significa, nas contas do pesquisador, que o mundo poderá produzir 110,7 milhões de barris de petróleo por dia em 2020. Maugeri redigiu o relatório durante o ano sabático que tirou para estudar na Universidade de Harvard. Até então, o italiano era um dos altos executivos da petrolífera ENI, a maior empresa do setor em seu país. “Ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, a capacidade de fornecimento de petróleo está crescendo mundialmente a níveis sem precedentes, e que poderão até superar o consumo”, diz em seu estudo.
A argumentação de Maugeri é calcada em dois pontos que se interligam. O
primeiro é a descoberta de novas reservas no mundo ocidental – não
apenas de petróleo convencional, como é o caso do encontrado na camada
pré-sal brasileira, mas também de jazidas de gás da rocha xisto, nos
Estados Unidos, e as areias betuminosas do Canadá. Todas elas são novas
formas de petróleo encontradas na natureza – e que diferem do líquido
negro e pastoso jorrando da terra. Tais reservas correspondem às
chamadas fontes não convencionais do combustível fóssil, que exigem
avançados processos tecnológicos e químicos para sua extração. Isso leva
ao segundo ponto defendido pelo pesquisador: de que o surgimento de
fontes não-convencionais fará com que o Ocidente transforme-se no novo
“centro de gravidade” da produção e exploração de petróleo global,
diminuindo a dependência da oferta proveniente do Oriente Médio. Segundo
o pesquisador, estima-se que haja no planeta 9 trilhões de barris de
combustível fóssil não-convencional. O mundo tem capacidade para
produzir, atualmente, 93 milhões de barris por dia – ou 34 bilhões de
barris/ano.
Maugeri não sugere que o Iraque ou a Arábia Saudita terão queda em sua
capacidade de produção. Muito pelo contrário. As perspectivas para ambos
os países são de um acréscimo de 6 milhões de barris/dia de petróleo
até 2020.
Contudo, graças ao avanço da oferta no Ocidente, ele argumenta que
mundo ficará menos sujeito à volatilidade de preço do barril trazida por
questões geopolíticas que afetam os países árabes. “Isso fará com que a
Ásia seja o mercado de referência para o petróleo árabe e a China se
transforme em nova protagonista nas questões políticas da região”,
afirma o pesquisador. Para os Estados Unidos, Maugeri estima que a
capacidade de produção passe, dentro de oito anos, dos atuais 8,1
milhões de barris/dia para 11,6 milhões de barris/dia. Em outras
palavras, o país deve desbancar a Rússia e se tornar o segundo maior
produtor de petróleo – os sauditas seguirão na liderança. No caso do
Brasil, Maugeri prevê que a capacidade de produção deverá sair de 2
milhões de barris/dia para 4,5 milhões de barris/dia em 2020 devido à
exploração do pré-sal.
Avanços tecnológicos – O estudo do pesquisador
italiano foi taxado de otimista por parte da comunidade acadêmica. A
principal crítica de estudiosos está no fato de Maugeri ter minimizado
os riscos e os desafios de investimento nos avanços tecnológicos
necessários para extrair petróleo de fontes não convencionais. “Quando
se exige uma tecnologia muito mais avançada, que envolve altos custos
ambientais, esbarra-se na questão do preço. Quanto os investidores
estarão dispostos a investir nesse tipo de empreitada e quanto os
consumidores estarão dispostos a pagar por esse combustível? Esse tipo
de resposta é imprevisível, por enquanto”, afirma Peter Kiernan, da
Economist Intelligence Unit (EIU).
Maugeri, contudo, fez a conta. Segundo ele, mesmo com um barril de
petróleo cotado a 70 dólares – hoje o contrato para agosto do produto
sai por 87,10 dólares o barril nos EUA e 102,40 dólares por barril no
mercado europeu –, a extração de toda essa nova capacidade será
lucrativa. Isso levaria a commodity a um novo patamar de preço que,
segundo o pesquisador, poderá transformá-la em alternativa energética
mais barata. “É preciso pensar que o petróleo ‘fácil e barato’ de hoje
não era tão fácil e barato quando foi descoberto”, diz ele. O estudo que
publicou em Harvard aponta que 2012 não encontra precedentes em aportes
de recursos no desenvolvimento de novas tecnologias de extração e
produção. Até o final do ano, serão 600 bilhões de dólares em
investimentos – um recorde que deverá implicar melhora de eficiência nos
próximos anos.
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE),
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também cita o exemplo
do gás de xisto nos Estados Unidos como exemplo do que está por vir. Há
dez anos, o uso deste produto como fonte de energia era praticamente
inexistente no país e hoje representa mais de 23% da oferta de
combustível. “Muitos acreditam que poderá até mesmo haver uma
superoferta de gás em 2017”, explica Pires. Na edição desta semana, a
revista britânica Economist discorre sobre o gás natural (em
especial, o de xisto nos EUA) em 14 páginas de reportagem. O estado de
Dakota do Norte, onde está localizada a reserva de Bakken, a maior fonte
americana de gás, é considerado o eldorado do emprego no país.
A teoria do fim – O mundo do petróleo é dividido em
dois grupos teóricos – com poucos adeptos ao meio termo. Numa ponta da
discussão estão os adeptos da teoria do “pico do petróleo”, que prevê o
fim do mineral devido à explosão do consumo e ao esgotamento das
reservas. Tadeusz Patzek, professor e engenheiro de petróleo da
Universidade do Texas, em Austin, é um de seus defensores mais
fervorosos. “Há um aumento de fontes de combustível, mas há um aumento
muito maior da demanda, sobretudo em mercados emergentes como China e
Índia. Por outro lado, grandes exportadores, como países do Oriente
Médio, continuam produzindo, mas exportam menos. E isso ocorre porque
estão consumindo o petróleo que produzem. Como é possível falar em
aumento de oferta se as exportações não irão aumentar”, questiona. Para
Patzek, o petróleo não irá acabar, mas a oferta não crescerá no mesmo
ritmo que a demanda. Sobre isso, o ex-ministro de Energia da Arábia
Saudita dos anos 1970, o Sheik Ahmed Zaki Yamani, tem uma frase
histórica repetida à exaustão do Texas a Bagdá. “A Idade da Pedra não
acabou pela falta de pedra, e a Idade do Petróleo irá acabar muito antes
que o mundo fique sem petróleo”.
A escola alternativa, que tem no premiado Daniel Yergin – autor do livro vencedor do Pulitzer, 'O Prêmio'
– um de seus maiores expoentes, acredita na evolução tecnológica como
caminho para explorar as reservas existentes e descobrir formas
alternativas de combustível. A teoria do fim do petróleo é, para eles,
infundada. “Crises energéticas já foram anunciadas inúmeras vezes, assim
como a morte do petróleo. Até agora, nada disso aconteceu. Mas o
discurso fatalista persiste mesmo entre especialistas no assunto.
Ignoram-se as conquistas que a tecnologia já proporcionou e ainda vai
proporcionar futuramente”, disse.
Ele lembrou que os investimentos em novas tecnologias permitiram que os
Estados Unidos dobrassem sua produção de energia desde a década de 70.
“Por que não a dobrariam nos próximos trinta anos?”. Os cálculos de
Maugeri mostram que, cinco anos após esta entrevista, Yergin e a linha
de pensamento em que se enquadra estão vencendo o debate na academia.
Um lugar para os “verdes” – O peso das previsões
alarmistas sobre o fim da era do petróleo tende, portanto, a perder
força. Mas é verdade também que toda a gama de fontes renováveis de
energia – vistas como um contraponto ao uso de combustíveis fósseis –
terá seu lugar garantido no futuro. Os ambientalistas podem até exercer
pressão pela prevalência dos combustíveis “verdes”, mas a continuidade
dos investimentos no segmento está assegurada por uma combinação de
fatores sociais, econômicos e geopolíticos.
As sociedades atuais, nos mais diversos países, são mais empenhadas em
cobrar responsabilidade ambiental de governos e empresas. Neste sentido,
grandes tragédias representam pontos de inflexão. O acidente da
plataforma da BP no Golfo do México, em 2010, gerou, por exemplo, uma
mobilização antipetróleo nos Estados Unidos que tornou a operação de
extração em águas profundas muito mais cara. “Os acidentes são poucos.
Mas, quando acontecem, são dramáticos. E isso cria uma pressão social
que tem impacto direto no preço da exploração”, diz Kiernan, da EIU. Em
resumo, a cobrança por tecnologias seguras de exploração implica custos
para as grandes empresas – e estes podem ser bem altos – que podem
tornar interessantes investimentos em biocombustíveis, energia eólica,
etc.
Matriz diversificada – O fator mais relevante,
contudo, chama-se legislação. Governos de diversas nações tanto podem,
por força de lei, inibir determinados tipos de exploração quanto
viabilizar fontes renováveis. Os líderes dos países o fazem
provavelmente menos em resposta aos anseios da população e mais por puro
planejamento estratégico. Afinal, todos se preocupam em garantir uma
oferta farta de energia por décadas e décadas porque não é possível
correr o risco de limitar o crescimento econômico por sua escassez. É
demasiadamente arriscado confiar em poucas fontes quando se quer ter um
futuro seguro. Além disso, os governos não querem ficar dependentes e
vulneráveis às instabilidades de países produtores – muitos dos quais
são até hoje ditaduras. Autossuficiência é, portanto, mais que mero
capricho. Para Adriano Pires, este cenário deverá equilibrar avanços
tecnológicos, preservação ambiental e busca por novas fontes de energia
para complementar a oferta mundial. “Eu vejo a matriz energética do
mundo muito mais diversificada daqui para frente, mas ainda com uma
participação grande recaindo sobre o petróleo e o gás”, diz o
especialista.
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